segunda-feira, 27 de outubro de 2008

CETICISMO



Não acredito em fadas,
Nem em fado,
A existência
Precede
A essência.

Não acredito em sorte
A minha eu faço
A machadadas.

Por isso
Chuto a bunda do Destino
E vou cuidar
Da minha vida.

domingo, 26 de outubro de 2008

O CÃO


O CÃO

O cão arreganhava os dentes diante do portão da enorme mansão. O enorme cão cinza de olhos claros parecia querer abocanhar o primeiro que aparecesse para invadi-la. Olhava os passantes com raiva por trás das grades do portão. O seu problema era ser animal. Foi especialmente preparado para defender a propriedade privada. Desde pequenininho davam-lhe um prato de comida e outras recompensas sempre que fazia a coisa certa. O bom e velho Pavlov tinha razão ao desenvolver a teoria do condicionamento. Realmente, o tal estímulo-resposta funcionava mesmo!
Era um cão treinado. Fosse um lobo e agiria apenas por instinto e não olharia as pessoas com tanto ódio. Ódio que lhe fora ensinado por seus donos, pessoas de muitas posses. Por isso, tinham medo de perdê-lo e ensinaram-lhe a cuidar de sua propriedade com zelo como se ela fosse sua. Ensinaram-lhe a ter raiva de pobres, pretos, pedintes, mendigos, molambos. Ensinaram-lhe a odiar qualquer ameaça a seu mundo cor-de-rosa.
Sempre que aprecia no portão um ser estranho, ele atacava. Sabia identificar pelo cheiro as pessoas amigas. Geralmente, usavam perfumes franceses e tinham caras iguais, bem cuidadas. Ele via aquelas caras sorridentes, algumas cheias de maquiagem e estava acostumado com elas. Detestava as empregadas, jardineiros e os mordomos. Se pudesse pensar, talvez entendesse essa sua raiva. Estas pessoas lembravam-lhe a sua condição de subserviência, o que o deixaria profundamente irritado. Mas, naturalmente, não pensava. Animais não pensam.

Um dia, esqueceram o portão aberto e ele escapou. No início, bebeu o ar da liberdade. Correu, chafurdou na lama e revirou latas de lixo junto com seus velhos companheiros de espécie. Brigou, latiu para a lua, namorou muitas cadelas...
Mas...Se cansou da liberdade. Não tinha nascido livre, não tinha crescido livre. Toda sua vida viveu recebendo ordens. Quando saiu de casa, esperava que alguém o procurasse. Queria gozar ao máximo o tempo livre que tinha e pretendia voltar assim que fosse encontrado. Ele sabia que era um cão de raça que custava caro, por isso acreditou que seria procurado e encontrado. Andou perto da casa e teria voltado se não tivesse encontrado o portão fechado.
Não foi encontrado. Rondou em volta da casa, acabrunhado, arrependido de ter fugido, deprimido mesmo, com o rabo entre as pernas até que viu outro cachorro no quintal, naquele quintal que fora seu um dia! a dor foi muita e ele ganiu. Choraria se soubesse chorar, mas era apenas um animal sem valor que podia ser substituído por quem possui muito dinheiro. Que faria agora? Qual seria o rumo de sua vida? Ele se perguntaria se entendesse o que estava acontecendo. Mas era apenas um animal. Não sabia pensar.
Como um cão vira-latas, vagou, vagou e vagou, só e abandonado. Comia restos e sentia saudades do tratamento que tinha na casa dos ricos. Tinha cama boa, comida boa, não tomava chuva, não passava frio e só tinha que pagar por isso cuidando da casa deles, não deixando aqueles estranhos entrar. Estes seres com quem agora tinha que conviver e repartir a comida, seres nojentos que as vezes acariciavam-lhe, outras maltratavam-lhe. Não gostava deles, queria o cheiro de perfume francês da mansão rica, tinha nojo do mau-cheiro dos pobres. A que ponto chegara! Pensaria, se pudesse pensar. Mas era animal. E animal não pensa.

E assim ele vagou por muito tempo sofrendo inúmeras privações. Até que um dia foi encontrado. Não pela família anterior, como ele esperava, mas por um rapaz tão só e abandonado como ele. O rapaz morava sozinho numa casa de um só cômodo num bairro sujo e fedorento da periferia. Não era a mesma coisa, mas já era algum conforto.
Tinha agora o que comer e onde dormir sem passar frio. Mas não se sentia agradecido ao rapaz. Achava que ele tinha feito sua obrigação, portanto não lhe fazia festinhas quando ele chegava, nem lhe balançava o rabo, nem mesmo quando era acariciado. Se pudesse raciocinar, acharia que ele apenas queria companhia e pagava por isto dando-lhe casa e comida. Mas não pensava, não era humano.
O rapaz estava desempregado e saia todos os dias à procura de emprego. Até que soube de um concurso para a Polícia Militar. Prestou-o e passou. Sabendo que o seu cão era de raça resolveu leva-lo para os treinamentos. O cão e o rapaz foram bem aceitos pela polícia pois os dois eram cumpridores dos deveres e capaz de submeterem à disciplinas rígidas.
O cão logo engordou e ficou mais ágil, seu dono também. A sua cor cinza e o uniforme de seu companheiro, agora um soldado da PM, quase que se confundiam. Sabiam que tinham nascido para este trabalho.
O cão e seu companheiros policiais adoravam maltratar mendigos, pobres, pretos, molambos, crianças pedintes e casais de namorados. Ele percebeu que tinha ido ao lugar certo e chegou quase a ter amizade por seu dono, o rapaz que o tirou das ruas e o levou para ser um cão da polícia militar. Mas não podia sentir estes afetos, era apenas um animal.
Agora, sentia-se quase feliz com seu trabalho, tão parecido com o anterior, de proteger a propriedade alheia. O rapaz, com seu salário e apenas os dois para sustentar, já comia melhor. Havia até carne! Haviam se mudado para uma casinha maior e mais confortável e à noite ele dormia sonhando com perfumes franceses. (1995)

BORBOLETA















Borboleta errante
Voa, voa de flor em flor
Borboleta amante
Vive em busca do amor.

As flores são alegres
Atraem sua atenção
Como amar apenas uma
Se todas lindas são?

Borboleta errante
Voa, voa de flor em flor
Borboleta amante
Vive em busca do amor.

As flores são cheias de cores
Vermelhas, azuis,Amarelas
Cada uma tem sua beleza
E todas são tão belas!

Borboleta errante
Voa, voa de flor em flor
Borboleta amante
Vive em busca do amor.

O amor é tão gostoso
Como o vôo das borboletas
É como sentir o perfume das flores
E flutuar no ar em piruetas.

Borboleta errante
Voa, voa de flor em flor
Borboleta amante
Vive em busca do amor.

Mas esse amor não sacia
Cada toque em cada flor
Aumenta a sede de amar
Que se transforma em dor.


(Geralda,1995)

sábado, 18 de outubro de 2008

CONTO DE FADAS MODERNO



'Conto de Fadas para Mulheres do Século 21'


Era uma vez, numa terra muito distante, uma linda princesa,
independente e cheia de auto-estima que, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo estava de acordo com as conformidades ecológicas, se deparou com uma rã.
Então, a rã pulou para o seu colo e disse:
Linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Mas, uma bruxa má lançou-me um encanto e eu transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir um lar feliz no teu lindo castelo. A minha mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavarias
as minhas roupas, criarias os nossos filhos e viveríamos felizes para sempre...
E então, naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã à sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria e pensava:



'Nem fo...den...do!'.

(Luís Fernando Veríssimo)(SERÁ QUE É DELE MESMO? NÃO SEI, RECEBI POR E-MAIL).

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A CRIANÇA QUE EU FUI

A CRIANÇA QUE EU FUI


A criança que eu fui
chora
agarrada ao travesseiro
quer colo
carinho
e faz travessuras.

A criança que eu fui
ouve histórias
conta casos
vê imagens
nas nuvens
e sorve o tempo
sem medo.

A criança que eu fui
está aqui
bem viva
cheia de alegria
abre as portas
do meu mundo
de fantasia.


A criança que eu fui
vive em mim
todo dia
sonha
dá risada
ingenuamente
confia.

Geralda c12/10/2008

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

MARIA


MARIA

Ela se arruma em frente ao espelho. Penteia os cabelos negros de índia. A noite está bonita, cálida, quente. Talvez hoje eu volte mais cedo para casa. Talvez hoje eu possa ficar com meu filho... Um choro de criança... O que foi, meu filho? Mamãe, você vai sair? A mamãe precisa ganhar o seu pão. Não quero pão, mamãe, quero ir com você. Me leva, tenho medo de ficar sozinho. Tem medo, não, filinho, durma, que mamãe já vem.
Sai com dor no coração. Quando será que deixarei esta vida? Quando poderei cuidar do meu filho? Ela está bonita. Seu nome, Maria, igual ao de tantas mulheres, mães iguais a elas, mas amparadas por seus maridos, pais, famílias... E ela? Pra ela, nada. Pra ela, resta ser a privada do mundo. Pra ela, resta a desventura de ser mulher sozinha, sem profissão, sem emprego, de ter um filho sem pai...Meu filho...Única criatura que me ama. Única criatura pela qual ainda em importa viver...
Um homem se aproxima interrompendo o fio dos pensamentos. Maria vai...Os corpos unidos...O homem grunhe de prazer. Maria não deixa de pensar no filho. será que está dormindo? Será que está bem? O homem se vai e Maria volta ao seu lugar. A angústia toma conta dela. Quero deixar esta vida. Quando poderei? Quero ser só eu. quero ser só mãe. Quero amar um homem. Quero sentir prazer. Por que não posso? ...Outro homem...
Maria volta para casa. O dia está quase amanhecendo. Em seu coração, a noite também começa a ir embora. Ela vai poder ser ela de novo. Vai poder parar de fingir um prazer que não sente... Abre a porta silenciosamente. O menino dorme. Ela faz o café para quando ele acordar. Mamãe, você voltou?! Tive medo. Ouvi barulhos lá fora. Onde você estava? Fica calmo, filinho, mamãe está aqui agora. Trouxe pão, leite, doces, leva tudo para a cama e comem juntos, alegremente. Maria está feliz. Lembra-se de sua infância, conta histórias, canta. apesar da noite em claro, não dorme para usufruir da companhia do filho.
Mas o dia acaba e a noite chega com suas angústias. O menino está doente e Maria não pode sair. A doença durou dias. O dinheiro não deu para comprar os remédios. Numa noite friosa, o menino morreu. Silenciosamente... Maria não chorou. Ele estava livre. Não ia mais ficar sozinho. Os anjos iam cuidar dele... Ah, mas ela também queria cuidar! Foi ao fogão, inspecionou o botijão do gás, verificou que estava cheio. Tampou todas as frestas e, silenciosamente, dormiu...
Ninguém notou a falta dos dois, nem mesmo os clientes de Maria, tantas são as moças que esperam na esquina como ela. Só no dia em que o senhorio foi cobrar o aluguel é que sentiu um cheiro estranho. Chamou a polícia que arrombou a porta. Os dois corpos estavam em decomposição, mas, mesmo assim, dava para vislumbrar o sorriso no rosto de Maria, que agora cuidava de seu filho.
Geralda
Este conto ganhou um concurso de crônicas do Jornal do Campus em 1997

domingo, 5 de outubro de 2008

DE DIA


DE DIA


É dia...
Os trabalhadores passam apressados
E nem vêem o menino dormindo
O menino, que à noite cheirou cola
Para agüentar a fome e o medo...


Não vêem a prostituta que dorme
Para esquecer o tédio da vida.

Não vêem o mendigo que morreu
De frio durante a noite.

Não vêem a polícia
Que não os protegerá da miséria
Que poderá transformá-los, à noite
Em mendigos ou clientes da prostituta
Que terá um filho
Que vai cheirar cola de fome
Que vai virar mendigo
Que vai morrer de frio
Depois de gerar outro menino
Que vai cheirar cola...
.............ETC.........

À NOITE...


À NOITE


É noite...
Um menino cheira cola na esquina
Um mendigo dorme num banco
Uma prostituta entediada espera...

Um carro de polícia sireneia ao longe...
...E todos se sobressaltam
!!!???!!!

O menino joga a cola
E quer voltar para a escola
O mendigo acorda e chora
De frio...
A prostituta acha um cliente
Quente...
E sai..

O carro passa...

E a noite volta
Com sua cara de tédio
De medo, de frio, de dor...
À NOITE


É noite...
Um menino cheira cola na esquina
Um mendigo dorme num banco
Uma prostituta entediada espera...

Um carro de polícia sireneia ao longe...
...E todos se sobressaltam
!!!???!!!

O menino joga a cola
E quer voltar para a escola
O mendigo acorda e chora
De frio...
A prostituta acha um cliente
Quente...
E sai..

O carro passa...

E a noite volta
Com sua cara de tédio
De medo, de frio, de dor...

RAZÕES

RAZÕES

Amo-te loucamente
Sem nenhuma razão
Que seja aparente.
Mas amor não tem razões
Que se possam explicar
Ultrapassa todas as fronteiras
Das leis da nossa mente.

Coração não tem juízo
Nem tampouco raciocínio
Pois se fosse inteligente
Não seria negligente
E escolhia para amar
A pessoa ideal
Que correspondesse
Os sentimentos da gente.

MOMENTOS NO TEMPO


imagem do site: http://poeticasemportugues.blogspot.com/2007_02_01_archive.html

MOMENTOS NO TEMPO

Jamais esquecerei
Estes momentos
Soltos no espaço
E no tempo
Em que estivemos juntos
No Paraíso
Banhados pela luz cósmica
Numa imensa troca de energia

Ah, que momentos preciosos!
Cheios de emoção e magia
Em que a vida se fez presente
Num grito de euforia!

Momentos em que o tempo
Deveria parar.
Mas, que ironia!
São nestes momentos
Que não o vemos passar.

AS PEDRAS




AS PEDRAS

Para o meu querido poeta de cabeceira
Carlos Drummond de Andrade.
Drummond, você tem razão:
tem sempre uma pedra no meio do caminho.




Jamais esquecerei aquele momento
De tamanha perplexidade
No meu caminho para o meio
Havia pedras espalhadas.

Pedras havia de montão
No meio do caminho jogadas.

Como em todo meio de caminho
A gente dá mil tropeçadas
Tropecei naquelas pedras
No meio do caminho jogadas.

Pedras havia de montão
No meio do caminho jogadas.

Não sei se jogaram de propósito
Não sei se lutei em vão
Só sei que com pés machucados
De tanta pedra lascada
Cheguei no meio do caminho
Do meu caminho para o meio
Cada vez com mais pedras jogadas.

(1995)