terça-feira, 22 de janeiro de 2013

LA DONNA É MOBILE

       LA DONNA È MOBILE

    No processo de resgate da memória para a criação da peça "DIÁRIOS", descobri que sou um ser mutante. Sempre achei que precisasse deitar raízes e me fixar em algo para ser feliz e fiquei procurando isso durante toda minha vida. Porém, próximo de completar meus 53 anos, acredito que devo assumir minhas marcas, entender que não nasci para ser fixa, sólida, imutável.
    Algumas vezes tive inveja das pessoas que permanecem em um emprego a vida toda, em um relacionamento ou em uma mesma casa. Eu acreditava que isso seria a felicidade, mas toda vez que imaginava isso pra mim, só me vinha uma sensação de tédio e monotonia. A vida pra mim é feita de mudanças. Quando estou infeliz e insatisfeita com alguma coisa, seja o trabalho, amor ou a casa, eu mudo e isso me dá novo ânimo. Algumas vezes isso me incomodou, eu pensava, estou sempre recomeçando algo e parece que não me firmo em nada. 
De repente, não vejo mais assim. Agora percebo que eu sou assim. Em vez de sólida, sou líquida, em vez de chumbo, sou pena.
    Deve ser por isso que gosto tanto da música da ópera "Rigoletto", de Verdi, La Dona È mobile:
    La donna è mobile
    Qual piuma al vento
    'Muta d'accento
    E di pensiero

    A mulher é móvel como uma pluma ao vento, muda de sotaque e de pensamento. Como é lindo isso!
    Acho que todas as pessoas são móveis, mutantes e gostam de transformações. Porém, havia uma cultura que acreditava na solidez e em situações duráveis. Nessa época, o mundo mudava muito devagar. Mas Marx, no século XIX, já dizia "Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas." (Manifesto Comunista, 1848). Hoje, Bauman fala da liquidez da vida em contraste com a solidificação, ainda estou lendo o autor e não sei se ele coloca juízo de valor para falar disso ou apenas constata. Mas se solidificação significa sedimentação, dureza, rigidez, a liquidez me atrai muito mais, pois que significa fluidez, correnteza, matéria que se amolda ao recipiente.
    Sim, minha vida tem sido mais líquida que sólida, o que não significa que deixei de lado os vínculos. Meu vínculo com minha família é alimentado constantemente, com alguns amigos e amigas também, com a essência de meu trabalho, idem. Portanto, posso dizer que mudo o tempo todo, mas não na minha essência.
    Deve ser por isso que gosto tanto das borboletas que as elegi como meu símbolo: elas são voláteis, alegres e mutantes. Por isso também que gosto da música "Metamorfose ambulante" do Raul Seixas: "prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velhaopinião formada sobre tudo...".
    Sou assim: a mudança me alimenta, me faz recriar, me tira do comodismo. E nada é mesmo durável, nem eu...

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