domingo, 28 de junho de 2009

AMAMENTAR É UM ATO DE AMOR

Em 1999 Pedro Almodóvar, cineasta espanhol, entregou ao mundo seu filme "Tudo sobre minha mãe", uma bela homenagem às mulheres e às mães. Sua personagem principal, Manuela, é uma mulher de 38 anos que perde seu único filho, no dia em que ele estava completando 17 anos, em um acidente de carro. Ela faz uma longa trajetória para encontrar o pai do seu filho depois do acidente.Manuela havia prometido contar tudo sobre o pai para Estéban, seu filho e iria fazê-lo no dia de seu aniversário, dia fatal em que ele sofre o acidente.Manuela é enfermeira de um hospital e trabalha no setor de doação de órgãos. Por ironia do destino terá que decidir a doação do jovem coração de seu filho. O que mostra o filme em seguida é de uma beleza imensa: Manuela é toda doação e amor. O que mais me chama a atenção nessa linda personagem é que ela é incapaz de odiar, nem mesmo a pessoa que é responsável pelo acidente de seu filho. Com esses gestos de amor ela vai dando lições a todos que a circundam. Não foi à toa que esse filme ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro em 2000, tornando Almodóvar conhecido no mundo todo.
Estamos falando de amamentação e o que teria um filme de Almodóvar a ver com isso? Primeiro, o filme fala de mães. Segundo, de doação. E amamentar é um grande ato de doação. Tanto que algumas mães com filhos indesejados não conseguem amamentá-los. Esse ato torna-se sofrido para elas, passam a alegar que estão com falta de leite, que seu leite está fraco, que os seios doem. Não podemos culpá-las, nem criticá-las, porque é doloroso e sofrido para a mulher ter filhos sem o desejar, às vezes em condições muito difíceis, sem apoio de um companheiro ou da família.
Por isso que alguns hospitais e entidades fazem campanhas para que as mães amamentem seus filhos. A ciência já comprovou os benefícios da amamentação: previne doenças, melhora o estado geral da criança, além de aumentar o vínculo afetivo entre a mãe e a criança. Além disso, ainda previne cáries, melhora a capacidade de fala porque fortalece os músculos do maxilar e prepara o terreno para que a criança se torne um adulto mais feliz.

Parece óbvio que as mães amamentem seus filhos já que somos mamíferos. Mas, quando a industrialização se expandiu no Brasil, a Nestlé fez campanha contra esse ato tão normal quanto maravilhoso. Alegava que caía os seios, que o leite da mãe era fraco, entre outras propagandas subliminares que apareciam em revistas e TV. Na época, eu tive minha primeira filha, em 1977. A cada vez que a traziam para mim no hospital diziam que ela já tinha mamado. Eu era jovem, não sabia de muita coisa sobre bebês e não contestava. Quando voltei para casa e tentei dar de mamar, ela não queria, só chorava e não mamava. Pudera, já estava acostumada ao bico, coisa que hoje os médicos abominam. Resultado: compramos mamadeiras e leite Ninho, é claro.
A minha sobreviveu, felizmente. Mas várias crianças da idade dela ou mais velhas morreram de desidratação e infecções intestinais várias. Porque o leite Ninho era muito forte e caro. As mães nem sempre tinha dinheiro para comprá-lo. Colocavam uma colherinha de leite em 200 ml de água, o que o deixava muito mais fraco que o leite materno. Em alguns casos a água nem era filtrada ou fervida. Infelizmente, conheço muitas pessoas, parentes e conhecidas, que perderam seu filho bebê nessas condições horríveis. Mas o silêncio sobre essa questão foi total. Nunca vi nada na imprensa e nem nenhum estudo sobre o caso, um verdadeiro genocídio.
Nos anos 80, começou a campanha pelo aleitamento materno. Tudo mudou de figura: amamentar passou a ser um gesto de amor e foi totalmente romantizada em linda campanhas que perduram até o momento. Falava-se muito timidamente sobre o alto índice de mortalidade infantil que a amamentação poderia ajudar a evitar. No nascimento de minha segunda filha, em 1981, já não se cogitava mais dar mamadeira. Hoje, as minhas filhas amamentaram seus filhos sem a menor dúvida. Felizmente.











Aqui a Michele amamentando o Othon, seu primeiro e único filho, hoje com sete anos





Amamentar é natural, é bom, é um ato de amor.
No link abaixo, informações sobre como ajudar a mães:

A CAIXA DE PANDORA


imagem do site:
http://oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2008/01/11_1329-pandora1.jpg

A CAIXA DE PANDORA

O quarto escuro. O cigarro aceso. O medo. De quê? De tudo, de não sei que. O medo dói. E a dor doía fundo nele. Mas ele escondia a dor. Dentro de uma caixinha bem cerrada. Ninguém chegava lá, nem ele. Mas de vez em quando a caixinha se abria. E envenenava tudo. Aí, o som era de dor, o riso era de dor, o prazer era só dor. Mas ele lutava para manter a caixinha bem cerrada. Fazia de tudo para parecer alegre. Mas a alegria doía. Era de mentira, fabricada por coisas extrarreais e substâncias tóxicas que envenenavam o corpo. Mais que a dor.
Às vezes a dor escondida até que ficava quietinha um pouco lá dentro e ele parecia quase feliz. Parecia acreditar. As portas do prazer se abriam, a percepção ficava forte. A esperança surgia. Mas não durava. Algo fazia a maldita caixa se abrir de novo e tudo se perdia.
Ah, a dor. Dentro da caixa de Pandora ficava. Mas abria. Abria e fechava. Era cruel. Ele sabia que precisava soltá-la para que junto também saísse a esperança. Mas tinha medo. Ela era muito forte, essa dor. E se ele sucumbisse? Não, não. Nem pensar. Deixa ela lá, presa. Vai que junto com ela vem também o mal e então o que faço? Mas era tão terrível guardar essa dor!
Então ele foi para o alto da montanha. Contemplou o pôr-do-sol, viu nascer as estrelas, olhou o mar lá embaixo, as árvores. Tudo era tão bonito! Ele não aguentou. Começou a chorar. Depois a gritar. Gritou tanto e o mais alto que pode. Até que uma luz surgiu em seu peito e se expandiu para o resto do corpo. Atravessou-o todo e ele se sentiu derretendo. Foi quando viu que não era mais ele. Tinha se fundido às pedras e chovido toda a dor do mundo.
(16/02/2001)

domingo, 14 de junho de 2009

O CÉREBRO ELETRÔNICO E AS RELAÇÕES

CÉREBRO ELETRÔNICO
(GILBERTO GIL)
O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo
O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda
Só eu posso pensar
Se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar
Quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões
De carne e osso
Eu falo e ouço.
Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei
Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro e seus olhos de vidro

No dia 13 de setembro de 2008 fui visitar a exposição Emergência! Emoção art.ficial 4.0 no Itaú Cultural que foi indicada pelo professor Ênio Moraes.
Convidei a minha amiga Luciana, que não via há um ano já, para ir comigo e depois iríamos conversar e passear pela avenida Paulista.
Nesse tempo em que estivemos longe mantivemos nosso contato pelo espaço cibernético, a internet. E, quando nos encontramos, parecia que tínhamos acabado de nos ver no dia anterior.
Foi uma sensação interessante entrar nessa exposição, principalmente quando tem um tema como esse em que une arte e tecnologia: à primeira vista as coisas pareciam não fazer sentido. Tudo parecia um amontoado de circuitos e eu me perguntava: cadê a arte? Aquelas coisas seriam arte? E que tipo de arte?
O meu cérebro está acostumado a ver as coisas de forma linear, por isso demorou a entender a proposta interativa da exposição. No começo só vi um monte de máquinas e uma parafernália que para mim nada parecia ter a ver com arte.Mas aos poucos fui me inteirando do assunto e pensando bastante sobre a questão que se colocava na exposição, a emoção art.ficial.
Minha amiga é do signo de Peixes, elemento água que tem como característica a emoção. Eu, como virginiana, sou racional. Isso faz a nossa relação mais completa. Enquanto que eu só via a parte eletrônica e aquilo para mim em nada se parecia com arte, a minha amiga foi observando a parte que sobressaía das máquinas estabelecendo relações.
Tumbling Dream Chambers

A primeira relação que ela estabeleceu foi com os espelhos. Os quadros redondos da obra Tumbling Dream Chambers lhe pareceu espelhos. A monitora explicou que eram ambientes virtuais. Para mim pareciam céus estrelados. Duas amigas me chamaram para ver uma sala em que podíamos interagir com sons e depois ver e ouvir livros. O professor Ênio nos mostrou as esculturas musicais, feitas a partir da impressão material de uma música. Nesse momento falamos dos espelhos.
Procuramos espelhos em tudo. Na arte, no mundo, nos amigos. Seremos narcisistas?
Narciso se afogou nas águas em que se mirava. Corremos também esse risco?
Foi nesse momento que entendi o que estava fazendo ali, por que convidei minha amiga e por que conversava com colegas de turma e o professor. Se eu estiversse sozinha, sentiria falta dessa interlocução que me fez pensar. Refletiria sobre o que via, mas me sentiria muito só.
Ali naquele momento redescobri a importância das relações, as humanas, as afetivas, as que temos com nossos espelhos que nos mostram quem nós somos. E ficou muito mais clara para mim a importância da arte: ela mostra nosso lado mais humano. Ficou claro também que por trás do cérebro eletrônico tem o cérebro humano.
Para pensar, deixo aqui as palavras de Leonardo Boff:
"Construímos o mundo a partir de laços afetivos. Esses laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor e infinitamente adoráveis.
Nenhuma máquina, nenhum computador (nem o mais inteligente) pode fazer isso. Eles não estendem o braço e nos tocam carinhosamente, nem choram com nossos infortúnios.
O ser humano, sim, porque ele tem um coração que sente a chaga do coração do outro e sabe compadecer-se dele. " (Fonte: FOLHETO do projeto Revelando São Paulo)

COMUNICAÇÃO





















COMUNICAÇÃO


(Luis Fernando Veríssimo)


É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?""Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?""Pomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima."
"Sim senhor."
"O senhor vai dar risada quando souber."
"Sim senhor."
"Olha, é pontuda, certo?"
"O quê, cavalheiro?"
"Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só que está e mais fechada. E tem um, um... Uma espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa pontuda que fecha. Entende?"
"Infelizmente, cavalheiro..."
"Ora, você sabe do que eu estou falando."
"Estou me esforçando, mas..."
"Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo?"
"Se o senhor diz, cavalheiro."
"Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero."
"Sim senhor. Pontudo numa ponta."
"Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem?"
"Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?"
"Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação em desenho."
"Sinto muito."
"Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum problema com os números mais complicados, claro. O oito, por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental, como você está pensando."
"Eu não estou pensando nada, cavalheiro."
"Chame o gerente."
"Não será preciso, cavalheiro. Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feito do quê?"
"É de, sei lá. De metal."
"Muito bem. De metal. Ela se move?"
"Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim."
"Tem mais de uma peça? Já vem montado?"
"É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço."
"Francamente..."
"Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e clique, encaixa."
"Ah, tem clique. É elétrico."
"Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar."
"Já sei!"
"Ótimo!"
"O senhor quer uma antena externa de televisão."
"Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo..."
"Tentemos por outro lado. Para o que serve?"
"Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa."
"Certo. Esse instrumentos que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e..."
"Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!"
"Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!"
"É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... Como é mesmo o nome?"...
(Fonte: VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comunicação. In: PARA gostar de ler, v.7. 3.ed. São Paulo: Ática, 1982. p. 35-37.) )

Encontre nessa foto três símbolos de poder.
Observe bem. São poderes simbólicos e ideológicos. As pessoas nem percebem que são dominadas.